16/12/2011 – Nova redação do artigo 6º da CLT – teletrabalho, home office ou anywhere office. (01/01/2012)
Foi publicada no Diário Oficial da União de 16 de dezembro de 2011 a lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que alterou o art. 6º daConsolidação das Leis do Trabalho, tratando ligeiramente de tema que há muito vinha sendo abordado pela Doutrina e Jurisprudência nacionais, ou seja, o trabalho à distância (teletrabalho, home office ou anywhere office), como elemento revelador da subordinação, ínsita à relação de emprego.
Conforme enunciado da referida lei, seu objetivo é o de "equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos". Para tanto, dá nova feição do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho - decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, que passou a ter a seguinte redação a partir de 16 de dezembro de 2011, data de sua publicação:
"Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio."
I – Gênese legislativa
A lei 12.551/2011 tem origem no projeto de lei 3129/2004 da Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Eduardo Valverde do Partido dos Trabalhadores, tendo tramitado no Senado Federal como projeto de lei da Câmara 102/2007. Trata-se, portanto, de projeto de lei oriunda da Câmara dos Deputados que tramitava já há sete anos junto ao Congresso Nacional até a sanção pela Presidente da República, em 15 de dezembro de 2011.
Para perfeita compreensão do objetivo da lei e de seu verdadeiro alcance, a partir de uma interpretação a mais autêntica possível, é prudente a leitura da justificativa do referido projeto de lei, bem como dos pareceres de relatoria que compõem os passos de sua aprovação no Congresso Nacional.
Transcreve-se, primeiramente, a rápida justificativa apresentada ao Congresso Nacional pelo autor do projeto de lei 3129/2004:
"A revolução tecnológica e as transformações do mundo do trabalho exigem permanentes transformações da ordem jurídica com o intuito de apreender a realidade mutável. O tradicional comando direto entre o empregador ou seu preposto e o empregado, hoje cede lugar, ao comando à distância, mediante o uso de meios telemáticos, em que o empregado sequer sabe quem é o emissor da ordem de comando e controle. O Tele-Trabalho é realidade para muitos trabalhadores, sem que a distância e o desconhecimento do emissor da ordem de comando e supervisão, retire ou diminua a subordinação jurídica da relação de trabalho."
Interessante para essa análise, também, o parecer emitido pelo relator do projeto de lei na Câmara, Deputado Homero Barreto, quando da aprovação do texto, do qual se transcreve elucidativo trecho que aponta o objetivo do projeto:
"O art. 6º é um dos principais e mais importantes artigos da CLT. Estabelece que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, “desde que esteja caracterizada a relação de emprego".
Assim, presentes os requisitos da relação empregatícia, o fato de o empregado trabalhar em sua própria casa é irrelevante.
Os requisitos podem ser verificados no art. 3º da CLT, que define empregado, a saber:
Pessoalidade – "considera-se empregado toda pessoa física"
Não eventualidade – "que prestar serviços de natureza não eventual"
Subordinação – "sob dependência deste"
Onerosidade – "e mediante salário".
A proposição amplia o alcance desse artigo aos trabalhadores à distância e equipara os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão aos meios pessoais e diretos; configurando aqueles, também, forma de subordinação.
Entendemos que, apesar da interpretação do art. 6º da CLT poder ser feita de forma a configurar esse tipo de subordinação, a melhor opção é alterar a lei, a fim de adequá-la às mais modernas tecnologias, em benefício do trabalhador. O conceito de relação de trabalho é dinâmico e deve se adequar às mudanças sociais. Não pode a legislação trabalhista ignorar o avanço tecnológico e os seus efeitos na relação de trabalho.
O conceito de subordinação, como dispõe o projeto, é um dos exemplos de evolução legislativa. Pode haver comando, controle e supervisão ainda que não haja o contato direto. A revolução da informação permite a subordinação do empregado ao empregador de forma talvez até mais eficiente do que a subordinação direta, exercida no local de trabalho."
Observe-se, ainda, que o mesmo projeto de lei da Câmara tramitou no Senado Federal sob a roupagem de PLC 102/2007. Interessante para esta análise a transcrição de trecho do parecer de aprovação da Comissão de Assuntos Sociais (Relator: senador Cassildo Maldaner):
"É submetido à análise desta Comissão o Projeto de Lei da Câmara nº 102, de 2007, que tem por finalidade equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios de telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos. Para tanto, acrescenta dispositivo ao artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Ao justificar sua iniciativa, o autor afirma a necessidade de adequar a legislação trabalhista brasileira às transformações trazidas pelas inovações tecnológicas ao mundo do trabalho. Para ele, o teletrabalho já é uma realidade para muitos trabalhadores, sem que a distância e o desconhecimento do emissor da ordem de comando e supervisor retirem ou diminuam a subordinação jurídica da relação de trabalho.
Em 2008 a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática deliberou pela sua aprovação. Até o presente momento, ao projeto não foram apresentadas emendas.
II – ANÁLISE
Nos termos do art. 100, inciso I, do Regimento Interno do Senado Federal, compete à Comissão de Assuntos Sociais emitir parecer sobre projetos de lei que versem sobre relações de trabalho. Sob o aspecto formal, não vislumbramos óbice algum de natureza jurídica ou constitucional na proposta. A disciplina da matéria é de competência legislativa da União (art. 22, I, da Constituição Federal – CF) e inclui-se entre as atribuições do Congresso Nacional (art. 48, caput, da CF).
A despeito do fato de nossa legislação trabalhista não dispor de regras sobre o teletrabalho, nela encontramos alguns dispositivos que se amoldam a essa forma de trabalho.
As normas que regulam o trabalho fora do estabelecimento do empregador, ou em domicílio, como as presentes nos artigos 3º, 4º, 6º, 8º e 9º da CLT constituem o fundamento para o seu amparo legal. O art. 6º, em especial, estabelece que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.
Por analogia, aplicam-se ao teletrabalho as mesmas normas legais referentes ao trabalho em domicílio, e existindo lacuna, aplicam-se, ainda, as normas de integração do art. 8º da CLT:
'Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse da classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.'
Todavia, a despeito do fato da doutrina e da jurisprudência já enquadrarem a figura do teletrabalho dentro do contrato de trabalho em domicílio, não vemos óbice que o teletrabalho seja tratado expressamente em nossa legislação laboral, pois entendemos que, para cada forma de trabalho que surge, é importante que o legislador estabeleça sua natureza jurídica e determine, é claro, o regime jurídico aplicável. Para tanto, é imprescindível que se altere a lei.
O projeto é, portanto, meritório, pois medidas como a que propõe pacificam o debate doutrinário sobre os contornos da qualificação e do regime jurídico dessa nova modalidade de trabalho, ao mesmo tempo em que evitam disputas intermináveis nos tribunais, que podem prejudicar os interesses do trabalhador."
II – Interpretação da nova lei à luz da vontade do legislador
Da leitura da justificativa do projeto de lei e dos pareceres que se seguiram até a sua aprovação no Congresso, resta claro que o objetivo do legislador foi apenas o de incluir expressamente o trabalho realizado à distância, o chamado teletrabalho, dentre as situações equiparáveis ao do tradicional trabalho direto, no tocante à subordinação jurídica.
Reconhece-se agora no teletrabalho a possibilidade de existência de subordinação jurídica, própria da relação de emprego, desde que exista ordem emanada do tomador de serviços, ainda que não seja identificado claramente o emissor da ordem, considerando a diluição natural de comando patronal, própria do meio telemático e informatizado de comunicação.
Note-se que a nova redação do artigo 6º da CLT não traz, na verdade, a criação de novos institutos trabalhistas, a considerar que o chamado trabalho em domicílio já estava contemplado pelo artigo 6º original que já dispunha: "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego".
Nessa linha, nada obstaria houvesse, antes mesmo do advento da lei em comento, a mesma "interpretação" estampada agora na nova redação do referido artigo. Bastaria que o intérprete tivesse o simples bom senso de considerar que as novas tecnologias que produzem novas formas de trabalho à distância (antes restrito literalmente ao termo legal "domicílio") não poderiam ser desprezadas nesse contexto, fazendo evoluir o conceito de subordinação jurídica nas relações de emprego à luz dessa nova realidade.
Afinal, "o conceito de relação de trabalho é dinâmico e deve se adequar às mudanças sociais" como referiu corretamente o relator do projeto de lei que deu origem à nova lei.
III – "Teletrabalho", home office ou anywhere office e o vínculo empregatício
Partindo das premissas acima, que têm supedâneo claro na gênese legislativa examinada, cabe afirmar que, se dúvida residual pudesse existir antes da nova lei a respeito da caracterização do contrato de emprego na relação de trabalho realizado fora do ambiente produtivo ou operacional do tomador de serviços, agora, com a nova redação do artigo 6º da CLT, não resta qualquer dúvida de que poderá estar caracterizada a subordinação jurídica como elemento identificador da relação empregatícia, mesmo que o trabalho esteja sendo realizado à distância, desde que presentes de forma concomitante os demais elementos caracterizadores da relação de emprego (não eventualidade, pessoalidade e remuneração).
Não importa se o teletrabalho é desenvolvido no próprio domicílio do empregado, em escritório ou peça existente em sua residência (home office), ou até mesmo em qualquer lugar onde esteja o prestador desenvolvendo o seu trabalho de forma remota (anywhere office). Se há remessa ou aproveitamento de dados ou ações concretas geradas pelo prestador de serviços à distância, conversíveis em elementos de produção de interesse patronal, mesmo que tenham origem em ordem remota emanada do tomador de serviços, a situação se equipara agora, para fins de caracterização do elemento subordinação jurídica, ínsita à relação de emprego, "aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".
Assim, por exemplo, os trabalhadores da área da informática que prestam serviços em casa, em terminais eletrônicos, a favor de tomadores de serviços que os contratam à distância para prestação de serviços não eventuais, mediante remuneração, a partir de ordens e orientações técnicas remotamente enviadas, fiscalizadas e comandadas por estes (por vezes até mesmo sem um único contato pessoal entre contratado e contratante), terão "status" de empregados, não podendo o elemento distância, próprio do aproveitamento da tecnologia de comunicação remota, justificar o afastamento do vínculo de emprego, sob alegação de ausência do requisito subordinação jurídica.
É este o principal conteúdo do novo artigo 6º da CLT.
IV – A questão do controle da jornada e o "teletrabalho"
Cabe dar ênfase, entretanto, que o fato de a lei reconhecer a existência de subordinação jurídica nas modalidades de relação de trabalho apontadas, não significa que, no tocante aos temas trabalhistas que envolvem a duração do trabalho e seus limites, o trabalho realizado à distância deverá ter idênticas consequências jurídicas que o trabalho realizado no âmbito do empregador, sob a sua efetiva supervisão, vigilância e controle direto de cumprimento de carga horária.
"Subordinação jurídica" não se confunde com controle de jornada, nem com fiscalização de cumprimento de jornada. A subordinação jurídica nada mais é que a situação de sujeição efetiva do prestador de serviços ao poder de comando do empregador, às ordens disciplinares, ao sigilo, e à fidelidade ao empreendimento para o qual trabalha.
Também não poderá haver ilação de que o disposto no novo artigo 6º da CLT representaria a caracterização automática do regime de sobreaviso, sujeitando o empregador ao pagamento de horas de sobreaviso ao empregado, apenas porque este trabalha em regime de home office ou anywhere office. Esses temas compõem outro Capítulo da CLT, qual seja o relativo à Duração do Trabalho, que não guarda relação direta com o artigo 6º, que trata apenas do reconhecimento do teletrabalho e da equiparação jurídica com o trabalho direto, para mero efeito de identificação de relação de emprego.
Permanecem inalterados, assim, os temas consolidados sobre a duração do trabalho, os efeitos do artigo 62 da CLT com relação ao trabalho externo e a jurisprudência cristalizada envolvendo a não caracterização de regime de sobreaviso conforme Súmula 428 do TST a seguir transcrita:
"Súmula 428. Sobreaviso. (Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 49 da SBDI-1 – Res. 174/2011 – DeJT 27/05/2011) O uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, “pager” ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço."
Claro que situações de trabalho à distância envolvendo controle efetivo pelo empregador de cumprimento de jornada pelo prestador de serviço poderão, caso a caso, caracterizar submissão do trabalhador a jornada de trabalho fiscalizada, inserindo-o, assim, na condição de empregado com direito a horas extraordinárias, caso comprovado o excesso de horas de trabalho.
Mas tal não ocorrerá em função da nova redação do artigo 6º da CLT e sim pelos princípios interpretativos hoje existentes e consolidados na jurisprudência sobre o controle indireto pelo empregador das horas de trabalho cumpridas por empregados que tem atividade externa.
Cabe aqui destacar que o instituto do chamado "sobreaviso", tem origem no disciplinamento do trabalho de ferroviários contido na Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 236 a 247). O parágrafo 3º, do art. 244 da CLT estabelece que considera-se de sobreaviso o empregado ferroviário efetivo que permanece em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamada para o serviço, com escala máxima de 24 horas de remuneração das horas calculadas à razão de 1/3 do salário normal. A matéria tem essa configuração, para nós já ultrapassada pelo tempo e pela realidade do mundo virtual e eletrônico, desde antes da própria Consolidação das Leis do Trabalho, já que a matéria encontrava-se assim regulada pelo Decreto 279, de 7 de agosto de 1935 (D.O.U. de 18 de agosto de 1935), que aprovou o regulamento sobre a duração do trabalho no serviço ferroviário.
Ora, revela-se sem sentido aplicar por "analogia", a outras atividades, esse regramento criado para os trabalhadores ferroviários em 1935, que vivenciavam outra realidade tecnológica e de comunicação que os obrigava a permanecer em sua própria casa, com efetiva restrição de locomoção e sem liberdade de ir e vir, situação esta que nem de longe se amolda ao mero uso de telefones celulares, ou de acesso remoto via computador portátil.
O avanço tecnológico que hoje facilita a relação de trabalho e lhe dá um dinamismo antes inimaginável é o mesmo que promove melhor qualidade de vida ao trabalhador, menor necessidade de estar no ambiente da empresa, gerando economia, maior convivência do empregado com a sua família e até mesmo dedicação a mais de uma atividade produtiva que lhe gere renda. Utilizar esses elementos como justificativa para considerar o empregado em regime de sobreaviso, é forçar abertamente uma interpretação oportunista e até mesmo injusta ao empregador.
A nova redação do artigo 6º da CLT não muda esse quadro, que já vinha sendo acolhido com serenidade pela jurisprudência.
V – A contratação formal de empregados para trabalho à distância
Considerando as peculiaridades que envolvem a contratação de empregados para que executem trabalho em sistema de teletrabalho, home office ou anywhere office e para que não pairem dúvidas a respeito do que pretenderam as partes no momento da contratação, por tratar-se de situação própria dos tempos atuais ainda passível de construção jurisprudencial, é prudente a contratação escrita nessas situações, mormente agora com a nova redação do artigo 6º da CLT, que veio para "oficializar" essa forma de relação de trabalho como autêntica relação de emprego se presentes todos os elementos de caracterização de contrato empregatício.
Primeiramente, ao contratar por escrito, sugere-se mencionar, brevemente, em mensagem preambular, as vantagens desse tipo de contratação:
a) Economia e praticidade, frente à não necessidade de deslocamentos do trabalhador à sede do empregador, além de sua maior autonomia organizacional, repercutindo em eficiência e produtividade;
b) Menor e menos onerosa estrutura burocrática do tomador de serviços;
c) Maior tempo de convivência do trabalhador junto à sua família;
d) Maior liberdade do prestador de serviços quando em regime de anywhere office, permitindo a multiplicidade de atividades e da dedicação a outras fontes de renda compatíveis e não colidentes com a prestação de serviços ao empregador.
Importantes essas aferições prévias expressas em contrato, para que, em exame posterior da contratação, quando necessária, se faça a leitura correta da intenção das partes, elemento tão importante para a justa análise das ocorrências contratuais inesperadas.
Também o disciplinamento escrito quanto ao não cumprimento de horário por parte do prestador de serviços toma relevância contratual, quando essa é a vontade das partes contratantes, recomendando-se seja destacado o quanto seque:
a) Que o prestador, apesar de vinculado a comandos remotos advindos do empregador, não estará sujeito a cumprimento de jornada;
b) Que o horário espontaneamente observado pelo empregado em sua residência ou onde ele estiver ligado remotamente ao empreendimento não será objeto de controle e fiscalização por parte do empregador;
c) Que não haverá qualquer obrigação de o empregado proceder ao registro das horas de trabalho efetuadas, entendendo as partes, expressamente, que o trabalho tem natureza externa, não passível de fiscalização.
Nada impede, porém, se estabeleça contratualmente que o empregado em regime de teletrabalho atuará de forma compatível com o atendimento dos serviços, sem prejuízo, é claro, da liberdade de distribuí-los, autonomamente, durante a jornada que eleger mais adequada.
Importante essas considerações contratuais para afastar a hipótese de pagamento de horas extraordinárias, que, entretanto, podem ser devidas, caso, na prática, o empregador não observe a liberdade estampada nos itens acima e proceda a controle direto ou indireto da jornada mesmo por meio telemático ou remoto, revelando excesso de horas de trabalho sujeito à fiscalização patronal.
Quanto aos repousos, é interessante ressaltar no contrato:
a) Que o empregado tem a obrigação de interromper o seu trabalho, para repousar e alimentar-se durante a jornada;
b) Que ficará o seu critério o tempo de afastamento do trabalho, desde que razoável para o cumprimento de suas obrigações e ao mesmo tempo eficiente para preservar sua saúde e higidez física;
c) Que deverá o empregado preservar, espontaneamente, intervalo de no mínimo onze horas de repousos entre o início de um expediente de trabalho e outro.
Outros temas residuais que podem ser objeto de ajuste entre as partes:
a) A regulação dos compromissos de trabalho realizados fora da residência do empregado, em viagens de interesse do empregador (horas despendidas entre o local de residência do trabalhador até os referidos locais, sua remuneração ou não, e a autodisciplina quanto aos limites de horas de dedicação ao trabalho);
b) Regras a serem observadas na hipótese de eventuais afastamentos ou interrupções do trabalho, ocasionados por problemas técnicos com equipamentos ou dados utilizados, emergências familiares, ou casos de força maior enfrentados pelo empregado;
c) Regras relativas a comunicações prévias entre as partes, para eventual necessidade de redistribuição de tarefas urgentes e inadiáveis;
d) Referência às obrigações e responsabilidades do empregado no tocante à manutenção de padrões de higiene, segurança e de ergonomia no local ou locais de prestação de serviços – considerando ser indevassável a sua residência ou os locais onde estará cumprindo suas tarefas à distância – sem prejuízo, por exemplo, de fazer constar no contrato que o empregado poderá solicitar apoio técnico dos serviços em higiene e segurança no trabalho do empregador, para determinar ou avaliar as condições de higiene e segurança do seu escritório doméstico, quando for o caso, recomendando-se, nesse caso, que se firme documento de certificação destas condições ideais, uma vez alcançadas;
e) Regras aplicáveis quanto ao uso dos equipamentos eletrônicos pertencentes ao empregador, para o desenvolvimento dos serviços, tais como: normas de utilização de forma a não danificar os equipamentos; vedação e responsabilização pela utilização dos equipamentos de propriedade de sua empregadora para fins ilegais, para fins próprios, ou mediante cessão ilegítima a terceiros; uso de softwares e hardwares de propriedade do empregador; realização de inventário de todo e qualquer material de propriedade do empregador entregue em confiança ao empregado para desenvolvimento de seu trabalho; responsabilidade pela manutenção dos equipamentos cedidos e forma de notificação em caso de necessidade de manutenção ou consertos, etc.
f) Cláusula contratual de confidencialidade e de sigilo, segundo a qual o empregado é advertido de que não poderá colocar em risco o sigilo ou a segurança das informações do seu empregador, devido ao trabalho à distância ou ao acesso remoto por computador, podendo ser destacado que o descuido por negligência, ou por ato voluntário doloso que permita a acesso de terceiros a esses dados será considerado falta grave, sujeitando o empregado às sanções trabalhistas máximas, sem prejuízo, por exemplo, de a empregadora, em caso de quebra consciente ou culposa de sigilo da informação por parte do empregado, promover as ações reparadoras de natureza civil ou penal cabíveis;
g) Regras sobre reembolso de despesas decorrentes do trabalho desenvolvido à distância;
h) Obrigações do empregado quanto a eventuais exigências do Poder Público, relativamente ao funcionamento do escritório residencial, e responsabilização pela observância de toda e qualquer lei municipal relativa à realização do trabalho em domicílio.
VI – CONCLUSÕES
Considerando as aferições acima, podemos concluir que:
1. Considerando a gênese legislativa que levou à alteração do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, conclui-se que a intenção única do legislador foi o de incluir, expressamente, o trabalho realizado à distância (teletrabalho, home office ou anywhere office) dentre as situações equiparáveis ao do tradicional trabalho direto, reconhecendo-se o elemento da subordinação jurídica, própria da relação de emprego, na linha do que já vinha preconizando a doutrina e a jurisprudência.
2. Para efeito do elemento subordinação jurídica, que caracteriza o vínculo de emprego, não importa se o teletrabalho é desenvolvido no próprio domicílio do empregado, em escritório ou peça existente em sua residência (home office), ou até mesmo em qualquer lugar onde esteja o prestador desenvolvendo o seu trabalho de forma remota (anywhere office), bastando que haja remessa ou aproveitamento de dados ou ações concretas geradas pelo prestador de serviços à distância, conversíveis em elementos de produção de interesse patronal.
3. A expressão "subordinação jurídica", contida no novo artigo, não se confunde com controle de jornada, nem com fiscalização de cumprimento de jornada, motivo pelo qual se conclui que o novo artigo 6º da CLT não preconiza pelo reconhecimento imediato de situação de regime de sobreaviso na hipótese de teletrabalho, mantendo-se íntegro o disposto na Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho e a jurisprudência cristalizada envolvendo a não caracterização de regime de sobreaviso.
4. Da mesma forma, permanecem inalterados os temas consolidados sobre a duração do trabalho e os efeitos do artigo 62 da CLT com relação ao trabalho externo.
5. Por envolver situação nova de relação de trabalho e de emprego, recomenda-se que o contrato de trabalho envolvendo teletrabalho, home office ou anywhere office seja precedido de contrato escrito, com regras claras a respeito de pontos da contratação que eventualmente podem ser objeto de exame em situações de conflito.