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03/01/2019 – O teletrabalho e a segurança no meio ambiente de trabalho (03/01/2019)

Carlos Terranova e Vanessa Kirsten*

03 Janeiro 2019 | 05h00

 

Carlos Terranova e Vanessa Kirsten. FOTOS: DIVULGAÇÃO

 

Com a modernização das tecnologias, novas ferramentas da informação e o ingresso das telecomunicações nas relações de trabalho, o “home office ou teletrabalho” ganha cada vez mais espaço, transformando as clássicas relações laborais. Nesse viés, surgem novas formas de trabalho, impondo um novo ritmo de progresso das atividades.

É inevitável, portanto, o reconhecimento pela legislação trabalhista da relação de trabalho caracterizada pela utilização de tecnologia da informação e comunicação no desenvolvimento de suas atividades, surgindo assim, o teletrabalho, como fruto do desenvolvimento das tecnologias da informação e telecomunicação nas relações de trabalho modernas.

 

Nesse cenário, a Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017 (a Reforma Trabalhista), alterou significativamente o panorama trabalhista brasileiro provocando profundas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

E dentre estas alterações, uma das mais sensíveis é a normatização do teletrabalho, que recebeu regramento específico no inciso III, do artigo 62, da CLT, excluindo o teletrabalhador do regramento sobre jornada de trabalho (e portanto vedando-lhe o direito às horas extras), além de um novo capítulo inteiro dedicado à regulamentação do instituto (Capítulo II-A, dos artigos 75-A a 75-E, da CLT).

Nesse contexto, o art. 75-B, da CLT, passou a considerar como modalidade de teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Esta alteração promoveu necessária regulamentação ao excessivamente impreciso art. 6.º caput e parágrafo único, da CLT, com redação alterada pela Lei nº 12.551/11 (1) que apenas equiparavam, para fins da CLT, o vínculo empregatício de trabalhadores que executam seu trabalho a distância ou em seu domicílio a empregados que o realizam no estabelecimento do empregador.

Não obstante, é preciso reconhecer que a modalidade do teletrabalho apenas começou a ser reconhecida e culturalmente aceita a partir da referida Lei nº 12.551/11, visto que até então o essa modalidade de trabalho ainda passava por certa discussão acerca da existência de subordinação jurídica do empregado ao empregador (2).

Dessa forma, por meio da Reforma Trabalhista foram regulamentados, entre outros aspectos, a alteração do trabalho presencial para remoto deva ser feita em acordo escrito entre as partes, devendo ainda serem definidas as condições para aquisição, uso, manutenção ou fornecimento dos equipamentos e infraestrutura para a prestação do trabalho remoto, bem como para o reembolso das despesas arcadas pelo empregado.

Mas, ainda restaram importantes pontos a serem observados, tal como o Direito à Desconexão (hiperconectividade, que interfere na vida pessoal, relacionamentos afetivos, gera ansiedade e depressão) e eventual determinação acerca dos dados sigilosos da empresa, que ficam disponíveis na residência do trabalhador e ao qual terceiros podem ter acesso (possivelmente ou pelo menos mais dificilmente ocorreria dentro da empresa). Outro questionamento relevante e que não foi devidamente previsto: A empresa poderia ter acesso remoto ao computador do empregado e recolher dados sensíveis de navegação (e.g., página na internet), como teria se estivesse em suas dependências utilizando um computador da empresa?

E um dos pontos mais relevantes destas alterações diz respeito ao meio ambiente de trabalho e segurança do trabalhador.

O Capítulo II-A bem que tentou regulamentar tal condição (artigo 75-E da CLT), prevendo que o empregador deverá instruir os empregados sobre regras de saúde, ergonomia e de segurança do trabalho, sendo possível inferir que as regras normativas previstas no Anexo II, da Norma Regulamentadora 17 (NR-17), do Ministério do Trabalho e Emprego, regeriam a prestação de serviços ante a semelhança das atividades realizadas por meio de telefones e computadores, mas não existe previsão específica para tanto.

Com efeito, alguns pontos da referida NR-17 aparentam verdadeira contradição com a regulamentação inserida pela Reforma Trabalhista. Em primeiro, porque a NR-17 traduz regra aplicável aos empregados que se destinam ao “teleatendimento/telemarketing” figura distinta do “teletrabalho” que foi regulamentado pela Reforma.

Em segundo, porque os empregados regulamentados pela NR-17 não somente possuem controle de jornada (o que foi expressamente vedado pela inclusão do teletrabalho no inciso III, do art. 62, da CLT), mas também tem direito a pausas específicas no curso da jornada com função específica de promover a saúde do trabalhador, condição que o empregador não terá como controlar do teletrabalhador.

Por fim, conquanto a NR-17 possua importantes previsões sobre ergonomia aos trabalhadores de “teleatendimento/telemarketing”, com previsão de tamanho e altura das mesas, distância dos monitores, entre outras, como poderia tal condição regulamentar a situação do teletrabalhador quando a Reforma Trabalhista determinou que ao empregador cabe apenas instruir o empregado e sobretudo, de que eventuais custos decorrentes desta instrução serão regulamentados por contrato entre as partes, e não correr necessariamente pelo empregador, que comanda e controla o serviço.

Ora, suponhamos que o empregado trabalhe em um Município extremamente quente, neste caso, quem arcaria com os custos de aquisição e manutenção do ar condicionado? Note-se que o exemplo, visa atender ao padrão ergonômico de temperatura, conforme a Norma Regulamentadora NR-17.

Considerando estes aspectos, como poderia ser previsto em contrato escrito a forma de ressarcimento ao teletrabalhador? Como o empregador iria reparar/dar manutenção nas ferramentas de trabalho, dentre outros neste direcionamento? Pagaria o empregador por insalubridade na residência do empregado? Todos estes pontos ficaram sem regulamentação e permanecem para análise do Judiciário, que certamente proverá das mais variadas respostas.

Lembremos ainda que pela atual regulamentação o empregador apenas orientará o empregado para tomar precauções a fim de se evitar o seu adoecimento no trabalho, do qual o empregado passará recibo por meio de termo de responsabilidade.

Fica igualmente o questionamento, será tal termo suficiente para eximir o empregador de qualquer responsabilidade, considerando o fato de que o empregado pessoalmente se responsabilizou a cumprir com as orientações de saúde e segurança, ou será este entendido pela jurisprudência como apenas mais um requisito formal?

À ausência de jurisprudência consolidada sobre o tema, a casuística e os princípios do Direito Trabalho determinam que o empregador será sempre responsável pelos meios de produção e se responsabilizará pelos desígnios do empregado no curso da prestação de serviços, sendo certo que a mera confirmação de que o empregado está ciente dos riscos da atividade não passará de um requisito formal para análise da validade do instituto, especialmente sem eventual contrapartida (financeira) pelo empregador que venha a cobrir os custos com a implementação de medidas mínimas de segurança.

Parece evidente que o atual artigo 75-E e seu respectivo parágrafo único, da CLT, introduzidos pela Reforma Trabalhista, não obrigam (nem desobrigam) o empregador a prevenir acidentes ou fazer cumprir as normas mínimas de saúde e segurança do trabalhador (seja pela utilização de equipamentos de proteção ou melhores condições), tornando-se medida de finalidade duvidosa.

Aliás, basta vermos a norma regulamentadora (NR-1), item 1.7 e NR-6, item 6.6, que expressamente determinam caber ao empregador: (a) cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e medicina do trabalho; (b) elaborar ordens de serviço sobre segurança e saúde no trabalho, dando ciência aos empregados por comunicados, cartazes ou meios eletrônicos; (c) informar aos trabalhadores os riscos profissionais que possam originar-se nos locais de trabalho e os meios para prevenir e limitar tais riscos, entre outras determinações, tudo com a finalidade de proteção do trabalhador, para se compreender que somente o “termo de responsabilidade” não bastará.

Logo, o descumprimento das normas de saúde e segurança por parte do empregador tem sim o condão de estabelecer culpa por negligência no caso de doenças ou acidentes de trabalho. Este entendimento já estava consolidado pela jurisprudência antes da Reforma Trabalhista e até que nova corrente venha a surgir, deve ser observado, não tendo sido esclarecido pelo dispositivo artigo 75-E, da CLT da Reforma Trabalhista.

Seja como for, será necessária uma maior reflexão sobre o tema, sobretudo, a depender da jurisprudência que vier a se formar sobre o assunto, mas sempre considerando a proteção à saúde do trabalhador, por meios de normas de saúde, higiene e segurança, como prevê a Constituição, sem perder de vista a eficácia da norma e seu objetivo de ampliar o acesso ao emprego.

(1) Art. 6.º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

(2) Sobre isso Mauricio Godinho Delgado afirma: “Nessa medida, a Lei n. 1 2.551, de 15.1 2.2011, superou certa controvérsia que se apresentava na jurisprudência relativamente ao enfrentamento do debate sobre a existência (ou não) da relação de emprego no tocante às situações de teletrabalho. O óbice que geralmente se colocava dizia respeito à falta de subordinação jurídica; tal óbice, contudo, foi plenamente superado pela nova redação do art. 6.º da CLT, a partir de 2011″ in Delgado, Mauricio Godinho “A reforma trabalhista no Brasil : com os comentários à Lei n. 13.467/2017” Mauricio Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. – São Paulo : LTr, 2017, Pag. 140.

*Carlos Terranova e Vanessa Kirsten, advogados do Trench Rossi Watanabe

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